domingo, 18 de abril de 2010

4 Princípios Bíblicos para se Entender a Batalha Espiritual

A necessidade de princípios bíblicos

A melhor maneira de abordarmos assuntos polêmicos é colocá-los dentro de seus contextos maiores. Se tivermos a visão do todo, poderemos com mais exatidão entender suas partes. Por exemplo, uma pessoa que tenta achar um endereço numa cidade simplesmente procurando as placas com o nome das ruas pode acabar desorientada e perdida. Se ela porém tiver um mapa, que lhe dá uma visão mais ampla da área onde ela se encontra, e mostra as ligações entre as ruas, poderá mais facilmente encontrar seu destino. Da mesma forma, quando colocamos o tema do confronto da Igreja com as hostes das trevas dentro de um contexto maior, e percebemos as ligações com outras áreas teológicas, podemos melhor entendê-lo.



Em termos do conhecimento teológico global, o assunto não pertence a uma área somente. Quando falamos da polêmica entre salvação pela fé e/ou pelas obras, facilmente identificamos que o assunto pertence à área de soteriologia, ou seja, o estudo da salvação, uma área da enciclopédia teológica. Se tivermos uma boa compreensão dos princípios e fundamentos que orientam a soteriologia, poderemos mais facilmente entender tudo o que está envolvido nessa polêmica. Mas a luta entre a Igreja e Satanás não se enquadra em uma área somente, muito embora a demonologia bíblica, que por sua vez é um departamento da angelologia, (o estudo dos anjos bons e maus) certamente seja a principal área afim. O fato é que os ensinos e práticas da "batalha espiritual" levantam questões sérias relacionadas com diversas áreas do nosso conhecimento de Deus.



Quando, por exemplo, alguns dos defensores do movimento falam de Satanás como se fosse um poder independente, autônomo e livre para fazer o mal neste mundo, está indiretamente entrando na área que trata dos decretos de Deus e da sua maneira de governar o mundo. Ainda, quando alguns revelam possuir informações extra bíblicas sobre o mundo invisível dos anjos e demônios - como por exemplo, o nome de determinados demônios e os locais geográficos onde supostamente habitam - está entrando na epistemologia, ou teoria do conhecimento. Essa área trata do modo pelo qual conhecemos as coisas ao nosso redor, inclusive o acesso humano ao conhecimento do mundo espiritual invisível, onde habitam e atuam os seres espirituais como anjos e demônios. Semelhantemente, quando todo tipo de mal que existe no mundo, quer moral ou circunstancial (como doença, dor, desemprego, etc.) é atribuído aos demônios, levanta-se a antiga discussão acerca da origem dos males e sofrimentos neste mundo presente. E quando é dito que os cristãos podem ser possuídos por um espírito maligno (ou ficar demonizados, para usar um termo mais em voga), estamos de volta à soteriologia - ou seja, qual a situação dos salvos diante dos ataques de demônios - e entramos também na cristologia, indagando qual a relação entre a obra vitoriosa e consumada de Cristo e a atividade satânica no presente.



Quando procuramos entender os conceitos da "batalha espiritual" a partir de princípios gerais que controlam as diversas áreas abrangidas pelo tema, poderemos ter alguns trilhos sobre os quais poderemos conduzir o assunto. No que se segue, procuro analisar quatro desses princípios que têm importância fundamental para ele: a soberania de Deus, a suficiência as Escrituras, a queda da raça humana e a suficiência da obra de Cristo. Acredito que se forem compreendidos adequadamente pelos leitores, funcionarão como balizadores seguros pelos quais poderão prosseguir com maior certeza no conflito diário que enfrentamos contra as hostes espirituais da maldade.



Quatro princípios fundamentais



1. Deus é soberano absoluto do seu universo

O título acima expressa um dos ensinamentos mais relevantes das Escrituras para o tema desse ensaio. Um soberano é alguém que está revestido da autoridade suprema, que governa com absoluto poderio, que exerce um poder supremo sem restrição nem neutralização. Quando dizemos que Deus é soberano, significa que ele tem poder ilimitado para fazer o que quiser com o mundo e as criaturas que criou, e que nenhuma delas pode, ao final, frustrar seus planos. Podemos fazer algumas afirmações quanto a essa doutrina.



A soberania absoluta de Deus sobre sua criação percebe-se claramente nas Escrituras. No Pentateuco Deus revela-se como o Criador do mundo visível e invisível, e da raça humana. Ele é o Libertador dos seus e o Legislador que soberanamente passa leis que refletem sua santidade e exigem obediência plena de suas criaturas. Ele exerce total controle sobre a natureza que criou, intervindo em suas leis naturais, suspendendo-as (milagres). Assim, em contraste com os deuses das nações, ele é o supremo soberano do universo, acima de todos os deuses, que os julga e castiga, bem como aos que os adoram. Nos livros Históricos, lemos como Deus cumpre soberanamente suas promessas feitas a Abraão de dar uma terra aos seus descendentes, introduzindo-os e estabelecendo-os em Canaã, e ali mantendo-os até que os expulsasse por causa da desobediência deles. Os Salmos e os Profetas celebram a soberania de Deus sobre sua criação e sobre seu povo. É ele quem reina acima das nações e de seus deuses falsos, quem controla o curso desse mundo. Nele seu povo sempre pode confiar e depender.



O mesmo reconhecimento encontramos nas Escrituras do Novo Testamento. Na plenitude dos tempos Deus envia soberanamente seu filho, e dá testemunho dele através de milagres poderosos, ressuscitando-o de entre os mortos. Esses eventos, bem como os que se seguiram na vida dos apóstolos e da Igreja nascente, ocorreram como o cumprimento da vontade de Deus. Esse ponto vemos claramente nos Evangelhos e no livro de Atos: a morte e a ressurreição de Jesus (At 2.23), bem como a oposição contra a Igreja (At 4.27-29) são simplesmente o cumprimento da soberana vontade divina, acontecendo como cumprimento das Escrituras. Para os apóstolos, "as profecias feitas no Antigo Testamento governavam o decurso da história da Igreja"(4). Assim, o derramamento do Espírito (2.17-21), a missão aos gentios (13.47), a entrada dos gentios na Igreja (15.16-18), a rejeição de Cristo por parte dos judeus (28.25-27) - todos esses eventos e outros mais são vistos pelos autores do Novo Testamento como atos redentores de Deus na história. No livro de Atos encontramos claramente o conceito de que a vida da Igreja foi dirigida por Deus. A cada etapa do progresso missionários, Deus intervém para guiá-la, através da atuação do Espírito (At 13.2; 15.28; 16.16), anjos (At 5.19-20; 8.26; 27.23), profetas (At 11.28; 20.11-12), e às vezes o próprio Senhor (At 18.9; 23.11). A presença dos sinais e prodígios realizados em nome de Jesus através dos apóstolos e de pessoas associadas aos apóstolos (At 3.16; 14.3; 19.11) atestava que era o próprio Deus que levava avante a história da Igreja (15.4).



A soberania de Deus é ensinada no conceito de Reino de Deus. Mas, é o conceito bíblico do Reino de Deus que melhor expressa a soberania de Deus sobre o universo que formou. Tal conceito está presente em toda a Bíblia e mesmo estudiosos renomados têm insistido em que é o conceito central das Escrituras, do qual se derivam todos os demais.(5) Para colocá-lo de maneira simples e sucinta, significa o domínio supremo de Deus sobre suas criaturas, mesmo as que se encontram em estado de rebelião aberta contra ele; embora na época presente Deus permita que essa rebelião permaneça, já tem determinado o dia em que será conquistada e quando então reinará tendo tudo e todos sujeitos debaixo do domínio de seu Filho (1 Co 15.23-28). O domínio de Deus se estende no presente sobre as ações e vidas de suas criaturas, sem que isso represente uma intrusão na liberdade delas em escolher e decidir moralmente. Ao final, porém, a vontade do Rei prevalecerá sobre todas elas, sem que nenhuma delas possa acusá-lo de determinista.



A Igreja sempre reconheceu o ensino bíblico sobre esse ponto. Os autores da Confissão de Fé de Westminster exprimiram o conceito da soberania de Deus de forma muito adequada. Eles escreveram que existe apenas um Deus vivo e verdadeiro, que é um espírito puríssimo, infinito em seu ser e em seus atributos, invisível, imutável, amoroso, misericordioso, gracioso, paciente, imenso, incompreensível, Todo-Poderoso, santíssimo, livre e totalmente absoluto, fazendo todas as coisas de acordo com sua santíssima vontade e de acordo com o seu querer justo e imutável (Capítulo 2, § 1). Eles ainda acrescentaram que Deus possui em si mesmo toda vida, glória, bem-aventurança, e que é suficiente em si mesmo, e que não precisa de nenhuma das criaturas que fez, que ele exerce o mais soberano domínio sobre elas, para através delas, para elas e sobre elas, fazer o que lhe agradar. A ele é devido, da parte de anjos e homens, ou qualquer outra criatura, a adoração, o serviço e a obediência que ele assim requerer (Capítulo 2, § 2). Uma das evidências bíblicas que citam é que foi do agrado desse Deus soberano escolher os que quis para salvação, e destinar os rebeldes para o castigo eterno (Capítulo 3, § 7; cf. Mt 11.25,26; Rm 9.17,18,21,22; 2 Tm 2.19,20; Jd 4; 1 Pe 2.8).



A tradição reformada - seguindo o ensino de Agostinho - entende o ensino bíblico sobre a soberania de Deus em termos absolutos. Agostinho considerava que os planos de Deus não podiam ser obliterados, nem sua vontade obstruída ao final. Calvino, similarmente, concebia a soberania de Deus como o poder determinante do universo (ao mesmo tempo em que insistia que a responsabilidade dos seres morais não era aniquilada). Veja, por exemplo, o que ele escreveu nas Institutas, no capítulo "O Resumo da Vida Cristã":



Nós não somos de nós mesmos, nós somos de Deus. Para ele, então, vivamos ou morramos. Nós somos de Deus. Para ele, então, dirijamos cada parte de nossas vidas. Nós não somos de nós mesmos; então, até onde possível, esqueçamo-nos de nós mesmos e das coisas que são nossas. Nós somos de Deus; então, vivamos e morramos para ele (Rm 14.8) e deixemos a sua sabedoria presidir todas nossas ações.(6)



Não quero com isso dizer que outras linhas teológicas não reconheçam o ensino bíblico sobre a soberania de Deus. Na verdade, creio que teólogos em geral, de qualquer orientação doutrinária, estão prontos a reconhecer o ensino bíblico sobre esse assunto. Apenas destaco que, na minha opinião, foram os reformadores e os puritanos que mais coerentemente entenderam e enfatizaram a soberania de Deus sem com isso detrair da responsabilidade das criaturas moralmente responsáveis, como os homens e os anjos, bons e maus, e Satanás, entre esses últimos.



O próprio Satanás está debaixo da soberania divina. Embora não esteja muito claro na Bíblia, a Igreja cristã sempre entendeu que Satanás foi originalmente um dos anjos criados por Deus, talvez um querubim de grande beleza e poder, que desviou-se do seu estado original de pureza e motivado pela vaidade e pela soberba, rebelou-se contra Deus, desejando ele mesmo ocupar o lugar da divindade (Isaías 14 e Ezequiel 28). Punido por Deus com a destruição eterna, o anjo rebelde tem entretanto a permissão divina para agir por um tempo na humanidade, a qual, através de seu representante Adão, acabou por seguir o mesmo caminho do querubim soberbo. Pela permissão divina, Satanás e os demais anjos que aliciou dos exércitos celestiais, cumprem nesse mundo propósitos misteriosos, que pertencem a Deus apenas. Alguns deles transparecem das Escrituras, que é o de servir como teste para os filhos de Deus e agente de punição contra os homens rebeldes.



O ensino bíblico é claro. Satanás, mesmo sendo um ser moral responsável e retendo ainda poderes inerentes aos anjos, nada mais é que uma das criaturas de Deus, e portanto, infinitamente inferior a ele em glória, poder e domínio. Mesmo que a Bíblia fale do reino de Satanás e de seu domínio nesse mundo (Ef 6.12; Lc 4.6; Jo 14.30) e advirta os crentes a que estejam alertas contra suas ciladas (Ef 6.11; 1 Pe 5.8; Tg 4.7), jamais lhe atribui um poder independente de Deus, ou liberdade plena para cumprir planos próprios, ou capacidade para frustrar os desígnios do Senhor.



Assim, a Bíblia nos ensina que Satanás não pode atacar os filhos de Deus sem a permissão dele. Foi somente assim que pode atacar o fiel Jó (Jó 1.6-12; 2.1-7), incitar Davi a contar o número dos israelitas (1 Cr 21.1 com 2 Sm 24.1) e peneirar Pedro e demais discípulos (Lc 22.31-32). Os crentes têm a promessa divina de que ele só permitirá a tentação prosseguir até o limite individual de cada um (1 Co 10.13), o que só faz sentido se o Senhor tiver pleno controle sobre a atividade satânica. Os autores bíblicos não viam esse controle do Deus santo e puro sobre a atividade satânica como uma insinuação potencial de que Deus era o autor do mal ou mesmo pactuasse com ele. Num universo em estado de rebelião contra o seu santo e soberano criador, onde habitavam seres morais responsáveis, decaídos espiritual e moralmente, era perfeitamente concebível que Deus, em seu plano de redenção, interagisse com homens e anjos decaídos, usando-os conforme seu querer soberano.



Em nossos dias, percebe-se claramente que a doutrina da soberania de Deus, como entendida pelos reformados, não é muito popular. Algumas dificuldades têm sido levantadas contra ela.



Homens e anjos podem frustrar os planos de Deus. Essa estranha idéia predomina em alguns arraiais evangélicos. Um exemplo é o artigo escrito por Marrs, onde afirma que as pessoas estão sempre arruinando o bom plano de Deus, e que Deus sempre está pronto para começar outra vez.(7) Estou bem consciente de que a doutrina de que há um Deus que reina supremo não é recebida favoravelmente entre os incrédulos. O salmista menciona que os príncipes desse mundo se uniram para tomar conselho contra Deus e seu Ungido (Sl 2.2-3). Nietzsche anunciou a morte de Deus, e os secularistas e ateus resolveram ignorar Deus como uma realidade. Essa resistência está presente até mesmo entre cristãos. Para alguns deles, Deus é um ser divino afável, como eles mesmos. Devemos reconhecer que até mesmo os crentes mais fiéis lutam com o conceito da plena soberania de Deus quando estão passando por sofrimentos. Contudo, o conceito bíblico da soberania do Senhor Deus permanece claramente expressa nas Escrituras.



Não há uma determinação última de Deus quanto ao universo. Teólogos famosos como Clark Pinnock têm defendido em nossos dias uma compreensão mais "moderada" da soberania de Deus do que a compreensão de Agostinho e de Calvino. Pinnock afirma que um controle soberano da parte de Deus nega a habilidade e a liberdade das pessoas em escolher obedecer a Deus ou voltar-se contra seu propósito. Ele sugere que Deus criou o mundo com uma certa medida de autodeterminação, e que governa um mundo livre e dinâmico, onde não há nada determinado de forma fixa ou definitiva. A soberania de Deus, ele sugere, é algo aberto e flexível.(8) Pinnock tem recebido muitas críticas de teólogos reformados hoje. Sua idéia de soberania de Deus não faz justiça ao ensino da Bíblia acerca do reino de Deus nesse mundo.



A soberania de Deus o torna autor do pecado e do mal. Muitas pessoas não conseguem entender como Deus pode ser soberano e ao mesmo tempo permitir que o mal impere. James Long, preocupado com essa questão, escreveu:



Eu me importo com paradoxos. Deus reina. O mal também parece reinar. Eu quero ver como as Escrituras relacionam os dois. Quase 20% dos 6 bilhões de pessoas desse planeta vivem em absoluta pobreza e sofrimento. A fé cristã deve ter uma boa explicação para isso, se é que vai fazer sentido para eles.(9)



Sem querer fazer de Deus o autor do mal, e sem querer menosprezar o sofrimento desses milhões de pessoas, ouso dizer que a Bíblia tem, de fato, uma solução para esse problema. Possivelmente, a melhor maneira de entender como os autores bíblicos - em especial do Novo Testamento - abordaram esse ponto, é tomarmos conhecimento do que eles ensinaram acerca das duas eras.



Enquanto que os gregos tinha uma idéia da história como se movendo em círculos, uma repetição sem fim dos eventos - e portanto, algo sem sentido, sem controle, sujeito ao acaso e ao capricho dos deuses - os Judeus tinham um conceito linear da história. A história, para eles, se dividia em duas partes, o olam hazé, a era presente, em que Israel estava sofrendo debaixo do domínio de seus inimigos, e o olam habá, a era vindoura, o mundo por vir, quando Israel seria libertado pelo Messias de seus inimigos, se tornaria o centro do mundo, e Deus seria adorado e reconhecido por todas as nações pagãs. Esta nova era seria introduzida pelo Messias, quando viesse em glória e poder, para destruir os opressores do povo de Deus.



Segundo o Novo Testamento, vivemos hoje no período em que as duas eras se sobrepõem. A coexistência das duas eras traz tensões que o Novo Testamento expõe de forma clara: Cristo já reina, mas ainda não liquidou literalmente todos os seus inimigos, como Satanás e a morte (1 Co 15.20-28; Hb 2.8). O Reino de Deus já está entre nós, mas ainda temos de orar "venha o Teu Reino". Já estamos salvos da condenação do pecado, mas ainda não da sua presença e da morte que ele acarreta. Já temos as primícias do Espírito, já experimentamos os poderes do mundo vindouro, mas ainda não em sua plenitude (1 Co 13.9-13). Já estamos ressuscitados com Cristo, mas ainda não fisicamente. É à luz desta tensão que podemos entender que o diabo já foi vencido, despojado, limitado, e amarrado, mas ainda não aniquilado (cf. 1 Co 15.24).(10)



Procuremos entender claramente este ponto. Nos Evangelhos Satanás é representado como sendo um inimigo vencido. Os demônios são expulsos inexoravelmente. Eles se aproximam de Jesus, não como negociadores em pé de igualdade, mas como suplicantes (Mc 1.23-28; 5.1-20). O Senhor Jesus declara que Satanás está amarrado (Mc 3.27; Mt 12.29; Lc 11.21-22). Por outro lado, a destruição final de Satanás é vista como ainda no futuro (Mt 25.41). Esta tensão faz parte do ensino de Jesus acerca do Reino de Deus, que já é presente, mas ainda vindouro.(11)



Temos que manter os dois pontos desta tensão em perfeito equilíbrio. O problema com muitos defensores da "batalha espiritual" é que não dão ênfase suficiente no aspecto já realizado da obra de Cristo, da sua vitória sobre Satanás. Igualmente perigosa é a falta de ênfase no "ainda não" da tensão.



O reconhecimento da soberania de Deus tem profundas implicações na vida do cristão. Em meio às dificuldades, provações, sofrimento e adversidades da época presente, ele encontrará profundo conforto em confiar no Deus que está em perfeito controle da situação, e que a seu tempo e ao seu modo haverá de prover o que for necessário para o bem de seu filho. A Bíblia está repleta de exemplos de heróis e heroínas da fé que repetidamente afirmaram sua confiança no poder de Deus para fazer tudo certo. Segundo Jay Adams, "a soberania de Deus é a verdade última e definitiva que satisfaz as necessidades humanas".



Quando essa doutrina não é corretamente entendida e aplicada, duas conseqüências igualmente perniciosas se seguem. Uma é a frustração em vez de resignação humilde. Os que aplicam a doutrina da soberania de Deus inconsistentemente e de forma superficial acabam caindo no "louvar a Deus apesar de tudo." Em vez de uma submissão voluntária e paciente à vontade do soberano e amoroso Senhor do universo desenvolvem um espírito de rebeldia e ingratidão. E a outra tendência é esquecer a responsabilidade pessoal. Essa última tendência ataca especialmente os calvinistas.(12)



Mas o entendimento correto da soberania de Deus pode trazer ao aflito e deprimido muita paz e esperança, pois lhe assegura que existe ordem e propósito para todas as coisas.(13) Um bom exemplo disso é o famoso batista calvinista Charles Spurgeon. Ele padeceu durante toda sua vida no ministério de gota e artrite, e a profunda depressão causada por essas doenças. Segundo John Piper, o segredo de sua perseverança foi entender a depressão como parte do plano de Deus para sua vida. Sua confiança inabalável na soberania divina evitou que ficasse amargurado com Deus, e habilitou-o a perceber que Deus estava usando o sofrimento para derramar ainda mais abundantemente o poder de Cristo através de seu ministério, e prepará-lo para ser ainda mais frutífero.(14)



Quando as pessoas perdem a soberania de Deus de vista, acabam por exagerar os poderes de Satanás e a sua liberdade para fustigar e afligir os crentes. Acabam por perder a paz, a alegria e a liberdade para servir ao Senhor livremente. Portanto, reconhecer que Deus é soberano absoluto do universo que criou, nos permite entender o ensino bíblico sobre a batalha espiritual da perspectiva correta.



2. As coisas de Deus só podem ser conhecidas pelas Escrituras

Esse segundo ponto é de importância crucial para nosso entendimento da batalha espiritual. Ele trata da suficiência das Escrituras quanto ao conhecimento que precisamos ter acerca de Deus, da sua vontade, suas promessas, e do misterioso mundo celestial, onde invisivelmente se movimentam os anjos e os demônios. Há dois aspectos que precisamos destacar aqui.



A exclusividade da Escritura. A Bíblia é a única fonte adequada e autorizada por Deus pela qual obter informações acerca das coisas espirituais e que pertencem à salvação. Portanto, ela exclui qualquer outra fonte. Muito embora Deus se revele através da sua imagem em nós (consciência, Rm 2.14-15) e das coisas criadas (Rm 1.19-20), entretanto é através de sua revelação especial nas Escrituras que nos faz saber acerca do mundo invisível e espiritual que nos cerca. Assim, muito embora possamos depreender alguma coisa acerca de Deus pelo conhecimento de nós mesmos e do mundo criado, é exclusivamente nas Escrituras que encontraremos a revelação clara e plena de Deus para a humanidade.



A suficiência da Escritura. A Bíblia traz todo o conhecimento que precisamos ter nesse mundo, para servirmos a Deus de forma agradável a ele, e para vivermos alegres e satisfeitos no mundo presente. Mesmo não sendo uma revelação exaustiva de Deus e do reino celestial, a Escritura entretanto é suficiente naquilo que nos informa a esse respeito.



Aplicando ao tema do nosso ensaio, isso implica duas coisas:



1) A única fonte autorizada que temos para conhecer o misterioso mundo angélico onde se movem anjos e demônios é a Bíblia. Mesmo que existam muitos conceitos e idéias acerca dos demônios, advindas da superstição popular, da crendice e de experiências pelas quais as pessoas passam, é somente nas Escrituras que encontramos conhecimento seguro acerca de Satanás e de sua atividade nesse mundo. Ela é singular e exclusiva.



2) A Bíblia contém tudo o que Deus desejava que conhecêssemos a respeito de Satanás. O ensino que ela nos oferece sobre os demônios e suas atividades é suficiente para que possamos estar sempre prontos para resistir às suas investidas e para ajudar as pessoas que se encontram cativas por eles. Ou seja, tudo que precisamos saber para travarmos uma guerra espiritual contra as hostes espirituais da maldade está revelado nas páginas da Escritura, e isso inclui conhecimento das ciladas astutas do diabo e a maneira correta de procedermos diante delas. A Bíblia é nosso manual de combate espiritual. Ela nos revela o caráter de nosso inimigo, suas intenções e artimanhas, e de que modo podemos ficar firmes contra suas ciladas.



Assim, os estudiosos costumavam escrever "demonologias bíblicas" que nada mais eram que uma sistematização do ensino das Escrituras acerca de Satanás, seus anjos, e sua atividade nesse mundo.(15) Os puritanos, por exemplo, escreveram muitas obras acerca do conflito entre os cristãos e o diabo, que no geral sempre eram baseadas no que a Bíblia dizia sobre os demônios e suas atividades.(16) Contudo, em nossos dias, assistimos com perplexidade o crescimento espantoso de uma demonologia que se utiliza de outras fontes de conhecimento acerca do reino das trevas além das Escrituras, ao ponto de afinal contradizerem o ensino da mesma, ou de a complementarem. Tanto a exclusividade quanto a singularidade da Escritura nesses assuntos foram deixados para trás. O resultado tem sido um ensino acerca de batalha espiritual e de métodos de evangelização bem distorcido e diferente daquele ensinado pelas Escrituras. Em geral são usadas quatro fontes de onde se extraem conhecimento extrabíblico sobre a atividade demoníaca.



Experiências pessoais. Alguns exemplos deverão bastar para que possamos entender o que estou dizendo. Uma das mais sérias deficiências do livro "A Igreja e a Batalha Espiritual", escrito por Neuza Itioka, diz respeito às suas fontes. É surpreendente encontrar nas notas bibliográficas fontes como "fatos constatados e verificados nas ministrações pessoais", depoimentos pessoais, e testemunhos de ex-pais de santos. É destas últimas "fontes" que a autora tira o fundamento para grande parte do seu livro. Por exemplo, a sua convicção de que crentes verdadeiros podem ficar endemoninhados baseia-se, não em exegese das Escrituras, mas na narrativa de várias experiências que teve.(17) Itioka freqüentemente menciona experiências pessoais para provar suas convicções. Ela afirma, com base na sua experiência de aconselhamento, que certos demônios "adquirem" o direito de se sentarem no pescoço das pessoas. Com base em testemunhos, ela afirma que as orações da Igreja diminuem o índice de criminalidade, roubo e violência, que as entidades de uma rua podem ser atadas, etc. Uma de suas crenças mais curiosas, a de que determinadas igrejas tem entidades malignas que se alimentam dos pecados não resolvidos da comunidade e seus pastores, é defendida principalmente com base em vários testemunhos. O que é ainda mais preocupante, Itioka faz várias especulações sobre os demônios que dominam o Brasil baseada na doutrina da Umbanda sobre estas entidades.(18)



Um outro exemplo é o artigo seminal de Peter Wagner sobre "Espíritos Territoriais e Missões Mundiais" publicado em 1989.(19) Neste artigo, Wagner admite que seu conhecimento sobre "espíritos territoriais" baseia-se principalmente na sabedoria popular sobre o assunto.(20) Mas não pára ai. Ele tenta um cálculo do número de demônios que existem baseado nas informações de um ex-pai de santo da Nigéria, a quem Satanás teria designado autoridade sobre um determinado número de demônios, que por sua vez tinham controle sobre outro número.(21) Wagner defende a tese de "casas mal assombradas" com base na experiência de missionários em Serra Leoa.(22) A maior parte do artigo é empregado por Wagner para amontoar experiências após experiências de campos missionários, que supostamente provam a existência de demônios que são autoridades locais.(23) Wakely observa que as experiências citadas por Wagner para defender a existência e atuação de "espíritos territoriais" são muito limitadas e cuidadosamente selecionadas.(24) Ele mostra, por exemplo, que a maioria das ilustrações que Wagner usa em seu livro Warfare Prayer são tiradas da Argentina, especialmente do ministério do evangelista argentino Carlos Annacondia, que se utiliza das tática da "batalha espiritual". Wakely nota, porém, que Wagner não menciona os casos em que estes métodos foram empregados sem qualquer resultado, e nem os casos em que houve conversões em massa, implantação de novas igrejas, e crescimento genuíno de igrejas sem que estes métodos tivessem sido utilizados. Por deixar de mencionar que outras igrejas e missões, que não a

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